
CRÍTICA – Capitão Astúcia é o super herói que precisamos nos dias de hoje.
Capitão Astúcia, dirigido por Filipe Gontijo, é uma obra que mistura comédia, fantasia e uma reflexão profunda sobre o envelhecimento e as percepções de sanidade na sociedade contemporânea. Com uma abordagem irreverente e sensível, o filme traz à tona uma discussão que vai além da trama simples de um super-herói: é uma crítica à forma como a sociedade lida com o envelhecimento e a marginalização dos idosos, além de um convite para refletir sobre o poder libertador da “loucura”.

O protagonista, Santiago, vive uma vida estagnada, frustrado com seu papel na sociedade. A virada da sua história acontece quando ele passa a conviver com seu avô, um homem de 80 anos que decide adotar uma identidade de super-herói, Capitão Astúcia. Nesse momento, o filme faz uma homenagem clara a Dom Quixote, o cavaleiro de La Mancha que, à sua maneira, também luta contra “gigantes” e inimigos imaginários, desafiando as convenções da realidade. A ambiguidade sobre a sanidade de ambos os personagens é o que torna o filme intrigante: é realmente o Capitão Astúcia um super-herói ou um homem senil? O filme não oferece uma resposta definitiva, deixando a decisão nas mãos do espectador.
Essa indefinição, longe de ser um defeito, é uma jogada necessária. O que Gontijo faz é questionar a linha entre sanidade e loucura. Em um mundo onde a rotina e as convenções sociais ditam o que é “normal”, a “loucura” de Astúcia pode ser vista como uma forma de resistência — uma escolha consciente de viver sem as limitações impostas pela lógica do cotidiano. É aqui que o filme faz uma crítica contundente ao etarismo, que, com frequência, marginaliza os mais velhos, tratando-os como incapazes ou irrelevantes, apenas por desafiarem as expectativas de uma sociedade que os considera “ultrapassados”.
E quero aqui destacar a participação da consagrada atriz Nívea Maria que toda vez que aparece em tela traz um brilho ofuscante em cena, principalmente nas do asilo, com direito até a ser a criadora do traje do nosso super herói.

Lembranças do Viramundo.
Essa reflexão sobre loucura e liberdade me fez lembrar de um dos meus personagens favoritos da literatura: Geraldo Viramundo, de O Grande Mentecapto, de Fernando Sabino. Viramundo é a personificação dessa “loucura libertadora”. Ao perder o foco da realidade, ele se liberta das amarras do conformismo e, ao fazer isso, consegue realizar o impossível — desde lutar contra gigantes até enfrentar inimigos de outras dimensões. Em Viramundo, a perda do contato com o que é considerado “real” não é um sinal de fragilidade, mas uma forma de abraçar a totalidade da experiência humana, sem limitações.
Assim como o Capitão Astúcia, Viramundo revela que, muitas vezes, o verdadeiro absurdo não está em se afastar da realidade, mas na cegueira das convenções sociais que tentam aprisionar a imaginação e a vitalidade das pessoas, especialmente com o passar dos anos. O filme de Gontijo, portanto, não só celebra a liberdade de um idoso em reinventar sua vida, mas também nos provoca a pensar sobre o quanto rotulamos e limitamos aqueles que, ao invés de se renderem ao cansaço da vida, escolhem viver com vigor, e até com um pouco de delírio.
Capitão Astúcia é uma obra que nos convida a revisitar nossa própria relação com a “normalidade”, especialmente quando essa normalidade diz respeito ao envelhecimento. Ao manter a dúvida sobre a sanidade de seu protagonista, o filme nos lembra que, ao contrário do que a sociedade dita, talvez a verdadeira loucura seja, na verdade, a maior forma de liberdade — a liberdade de se recusar a viver dentro dos limites impostos, de manter o brilho da imaginação aceso, independentemente da idade.
Em alguma instância o filme propõe é uma jornada de autodescoberta, onde o que importa não é o que os outros pensam sobre você, mas como você escolhe viver sua história.
A Trilha sonora e sacadas do roteiro encantam, principalmente ao lidar, provavelmente, com questões orçamentárias. Mas não é um roteiro perfeito, tem algo da montagem e/ou edição que me incomodaram um pouco principalmente com os saltos entre alguns acontecimentos muito elevados – é uma técnica cinematográfica que leva em conta que de forma implícita, quem assiste irá complementar os buracos. Mas aqui em alguns momentos senti que os saltos eram maiores do que deveriam. Também acho arqui-inimigo Akira Laser (vivido pelo Yudi Tamashiro) poderia ter sido melhor explorado – não é um mero detalhe – toda construção de um herói passa pelo seu antagonista e aqui eu penso que o personagem tinha um bom potencial.
Mas sinceramente todos esses detalhes podem ser, sim, colocados de lado quando pensamos na sensibilidade como a história do senhor Santiago se desenrola.
No fim das contas, com tudo que está acontecendo nesse momento em todo mundo no que diz respeito a guerras físicas, guerras comerciais e polarizações, talvez o Capitão Astúcia seja exatamente o herói que nos falta.
Programação de Exibições 06/03/2025 a 12/03/2025
Cine Brasília
Brasília – DF
Cine Coepi
Pirenópolis – GO
Para saber as próximas exibições acesse o Instagram oficial do filme.
Ficha Técnica
● Título: Capitão Astúcia
● Direção: Filipe Gontijo
● Roteiro: Filipe Gontijo e Eduardo Gomes
● Produção Executiva: Érico Cazarré
● Produção: Caza Filmes e Papai Pequeno
● Elenco Principal: Fernando Teixeira, Nívea Maria, Paulo Verlings, Yudi
Tamashiro, André Deca, Andrade Júnior (in memorian)
● Gênero: Aventura, Fantasia, Drama
● Duração: 90 minutos
● Classificação Etária: 12 anos
● Lançamento: 2025
Distribuição: Papai Pequeno
Imagens Divulgação.