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Por que as indústrias da região se comunicam tão mal?

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Estou aqui batendo na madeira três vezes –  como reza a lenda – para evitar que aconteça o que direi a seguir. Mas o que aconteceria se tivéssemos na nossa região um acidente ambiental de proporções que tivemos na cidade de Mariana?

Nós já falamos sobre esse incidente quando citamos o trabalho que o repórter fotográfico Lucas Lacaz RUIZ / A13 fez na região. É sem dúvida um dos maiores (senão o maior) acidentes com graves prejuízos para o meio-ambiente.

E quando trazemos essa realidade para cá percebemos que não é muito difícil que isso ocorra. Recentemente uma mineradora teve um vazamento de resíduos no rio Paraíba do Sul que chegou a comprometer temporariamente o abastecimento da cidade de São José dos Campos. Investigações e análises vão dizer o quão acidental foi o ocorrido.

O fato é: qual foi a última vez que uma indústria local falou com você sobre o que ela anda fazendo pela comunidade? Entregou um folheto dizendo quais são as providências que você deve tomar em caso de acidente naquele local? Mostrou de forma ativa suas atividades ambientais e preocupações neste setor?

A gente anda pela Dutra e vai vendo várias indústrias e pensando que é estranho saber que muitas são totalmente estranhas para a comunidade. Ah mas elas trazem emprego Armindo, isso já não basta? Não!

Acredite se pudessem elas teriam só robôs e não empregariam ninguém e se elas estão ali é porque tem mais benefícios do que se imagina. Incentivos fiscais, localização estratégica, facilidade ambiental. Os fatores podem ser vários, menos filantropia. E não se trata aqui de demonizar as grandes corporações, elas trazem de fato riqueza para as regiões onde se instalam, mas trazem também as externalidades. Você sabe o que é uma Externalidade? De acordo com a Wikipedia:

Em economia, externalidades são os efeitos laterais de uma decisão sobre aqueles que não participaram dela. Existe uma externalidade quando há consequências para terceiros que não são tomadas em conta por quem toma a decisão. Geralmente refere-se à produção ou consumo de bens ou serviços sobre terceiros, que não estão diretamente envolvidos com a atividade. Ela pode ter natureza negativa, quando gera custos para os demais agentes (poluição atmosférica, de recursos hídricos, poluição sonora, sinistralidade rodoviária, congestionamento, etc.), ou natureza positiva, quando os demais agentes, involuntariamente, se beneficiam, (por exemplo, investimentos privados em infra-estrutura e tecnologia, ou investigação).

Então vejamos, vamos supor que você mora num bairro residencial e digamos ainda longe de grandes supermercados e recebe a notícia que um grande hipermercado irá se instalar no seu bairro. E você comemora afinal não terá mais que ir longe para economizar nas compras mensais. O estabelecimento também trará empregos para o bairro e novas oportunidades vão surgir. E um belo dia você está dormindo e nota as 6 horas da manhã um vai e vem sem fim de caminhões com um barulho ensurdecedor. São os produtos chegando ao novo hipermercado. Com o passar do tempo nas ruas que antes só passavam carros o asfalto irá ceder mais rápido com o peso dos caminhões e a rua ficará perigosa para as crianças brincarem. Perceba que você quer o hipermercado mas na mesma moeda que vem os benefícios virão também os efeitos colaterais. Há uma frase antiga do interior que diz que todo mundo quer ter uma Feira perto de casa, mas ninguém quer ter a barraca do peixe na frente da sua casa. Externalidades, meus caros, externalidades.

E já que as empresas causarão um certo desconforto em algum momento para seus arredores vem aí a importância da comunicação corporativa e sua necessidade de dialogar com a comunidade, vizinhança e agentes que sofrem algum impacto ou ainda que impactam a operação da empresa. Isso tem o nome bonito de Stakeholders, vamos mais uma vez correr para a Wikipedia:

Stakeholder (em português, parte interessada ou interveniente), é um termo usado em diversas áreas como gestão de projetos, comunicação social (Relações Públicas) administração e arquitetura de software referente às partes interessadas que devem estar de acordo com as práticas de governança corporativa executadas pela empresa. O termo foi usado de forma mais ampla pelo filósofo Robert Edward Freeman . Segundo ele, os stakeholders são elementos essenciais ao planejamento estratégico de negócios. 

E digo tudo isso não porque trata-se aqui de uma aula de comunicação corporativa, mas para dizer que não é um favor das empresas se comunicarem com atores locais, mas uma obrigação moral, ética e de gestão. E está, não a toa, prevista nas consagradas certificações ISO. Blogs especializados na certificação citam com recorrência esses pontos, como por exemplo aqui , aqui e  aqui.

De forma que se você pegar por qualquer ótica seja ela moral, ética, econômica ou simplesmente para conseguir uma certificação internacional as empresas precisam se relacionar com seu entorno e ter práticas de comunicação com suas partes interessadas.

E para dar vazão a esses anseios muitas marcas estampam em seus sites suas missões, visões e valores parte do seu compromisso com a sociedade. A Heineken, por exemplo, tem em sua página institucional um dos pilares voltados para a comunidade, com edição e grifo meu, mas íntegra neste link:

A HEINEKEN Brasil utiliza diversos canais de comunicação interna, como a revista Enjoy e comunicados periódicos. Esses veículos divulgam a missão e os valores da companhia, seus códigos de conduta e de ética e princípios internos. Com o engajamento cada vez maior de colaboradores, parceiros e fornecedores, a HEINEKEN assume o compromisso de capacitar as pessoas e apoiar comunidades no desenvolvimento local, influenciar a sociedade de maneira positiva e reduzir cada vez mais o impacto ambiental. Desse modo, a companhia trabalha na construção de um mundo melhor para todos.

A empresa tem uma unidade fabril em Jacareí assim como a a Fibria, que tem entre seus motes o que a empresa chama de Lucro Admirado, presente em sua visão (grifo meu):

Consolidar a floresta plantada como produtora de valor econômico. Gerar lucro admirado, associado à conservação ambiental, inclusão social e melhoria da qualidade de vida.

E toda essa linha argumentativa para então chegarmos num ponto crucial que é porque – na minha modesta opinião – as indústrias locais se comunicam tão mal. E aí é bom que se coloque de forma clara, límpida e cristalina como a água não contaminada que este texto não é uma reportagem jornalística. Trata-se da minha opinião, percepção e experiência com as marcas locais. Tudo vivência minha e cada palavra do que eu penso e que talvez não reflita a realidade para outras pessoas: estou dando de forma parcial minha opinião volto a repetir. Motivo pelo qual não fui ouvir todas as empresas citadas nesse texto, mas que deixo claro, tem o espaço garantido caso queiram se manifestar. É que semana passada falei de grandes varejistas e seria uma injustiça dizer que a somente esse segmento sofre da preguiça que assola os gestores de marketing e comunicação. Há problemas nas indústrias como veremos a seguir.

E porque eu acho isso? Primeiro porque vejo muito pouco dessas marcas na vida das cidades do Vale do Paraíba. Há algumas empresas que só tem um pedaço fabril nas cidades e mais nada. Também na cidade de Jacareí há a Ambev e eu nunca recebi nenhum material da empresa (nem release, nem nota, nem informação, nada) e quando muito recebo da agência deles de SP notícias sobre ações publicitárias. A Cherry montadora de veículos chinesas que se instalou há pouco na cidade. Nunca recebi nada também, nem uma notinha sobre lançamentos de novos carros ou novas vagas de emprego. Nada.

Vamos então ao panorama que tem vários eixos problemáticos

Eixo Cultura

A primeira constatação mais óbvia é que assim como os varejos ainda focam os grandes veículos de comunicação, essas empresas também ainda acham que a mídia tradicional se resume a três emissoras de TV, um jornal impresso, meia dúzia de rádios e ponto – para essas empresas a imprensa local se reduz a isso. Sendo que a maior delas raramente vai fazer matérias sobre essas indústrias e quando fizer falando bem não vai citar o nome, mas quando tiver algum problema vai ter o nome, sobrenome e endereço citados.

Isso vem tanto de empresas de assessorias locais que ainda não entenderam a virada do mercado de comunicação seja por preguiça ou falta de capacitação ou cultura organizacional quanto de gestores que muitas vezes não são da área de comunicação e não entendem que se antes você tinha um contrato social pre-estabelecido de poucos veículos, agora há uma profusão de produtores de conteúdo locais que podem impactar de forma negativa na visão das marcas. Se você dúvida veja esse case do Ketchup Heinz publicado no site da Endeavor e baseado num texto do Alexandre Inagaki.

Dias desses um colega jornalista perguntou se iria num evento de uma montadora da região de Taubaté e eu até ri. Das montadoras aqui da região a Ford me manda releases porque devo estar num mailing – mas nunca quis nenhum tipo de relacionamento comigo, e sim eu já tentei – a Volkswagen Brasil – me ignora solenemente e a Cherry como vimos nem tchuns.

Ah Armindo mas as marcas não são obrigadas a conhecer o seu blog. Obrigadas não são, mas deveriam afinal você que me lê agora é um formador de opinião e merece que essas marcas falem com você. Você não tem curiosidade para saber o que elas andam fazendo do ponto de vista ambiental na região? Gostaria de saber o que elas tem feito para compensar as demissões? Eu também gostaria, mas elas ainda estão em suas zonas de conforto e falando com veículos que você nem assista ou leia mais, ops.

Cabe nos dias de hoje um papel mais ativo do assessor de imprensa e relações públicas em identificar seus stakeholders e – mais uma vez – não sou eu quem está falando isso – está lá na ISO. Eu também já falei sobre isso num extenso post onde convidei importantes especialistas do setor de Relações Públicas para falar sobre o tema e se tiver um tempo, recomendo a leitura.

Mas a lista de indústrias que aparentemente ignora os novos produtores de conteúdo digital é extensa. Posso falar da minha experiência, mas tenho certeza que outros creators sofrem do mesmo mal. E sim vamos dar nome aos bois: além das montadoras citadas, da Ambev, da Fibria que apesar de querer lucro admirado há tempos não me manda um release sequer, temos também Nestlé, Revap, Mars do Brasil  (aqui do ladinho em Guararema), Johnson & Johnson (que vira e mexe traz influenciadores de fora para conhecer sua fábrica aqui em São José mas até onde eu sei nunca convidou os da cidade que ela está instalada, que feio) entre várias outras que não só aparentemente não se comunicam com veículos digitais locais como tem aparentemente poucas ações de comunicação envolvendo a comunidade. Você lembra de alguma?

Há ainda casos gritantes em que a assessoria da marca de São Paulo entra em contato comigo e é super fofa e atenciosa e a assessoria local da mesma marca não só me ignora como ainda entra em contato comigo depois para saber como eu soube da notícia. Não sei se isso é patético, trágico ou digno de dó.

Eixo Crise

Sim estamos num momento de crise e muitas indústrias, inclusive as montadoras que citamos estão em situação delicada. Há algumas inclusive que a lenda diz que vão deixar o Vale em breve, lenda essa que se perpetua há anos e como a comunicação não é eficiente vai correndo solto.

E nos momentos de crise uma das possibilidades previstas na bibliografia especializada é a empresa adotar uma postura mais contida em suas ações de comunicação. Não dá para fazer um coquetel suntuoso de lançamento com pessoas sendo mandadas embora (embora algumas empresas o façam) e aí é compreensível que as empresas se fechem em seus muros para evitar ao máximo o contato com a imprensa local, quem dirá a que não faz parte da imprensa tradicional local.

Mas por outro lado seria estratégico – ainda na minha humilde opinião – manter a comunidade bem informada de forma transparente e aberta criando vínculo com a comunidade local e dando força nos momentos de crise institucional. A marca só apanha da grande mídia e como não tem fãs não consegue se defender.

Eixo Alinhamento de marca

Muitas marcas simplesmente esvaziaram suas cadeiras de comunicação regional e tocam agora tudo de um escritório – normalmente em São Paulo – com pessoas que entendem tanto das articulações locais quanto eu entendo de física quântica. A frase temos uma unidade no interior soa como dizer que infelizmente a empresa tem uma unidade na Sibéria e que por lá acontece alguma coisa que por Deus não queremos saber. Ou então a comunicação toda fica na capital e um funcionário vendido fica aqui tentando fazer – sem sucesso – a interlocução da visão do império com a visão da província sem é claro que se chegue num acordo a não ser receber goela abaixo uma ordem de alguém que muitas vezes nunca visitou a unidade local no Vale do Paraíba. Sei que algumas pessoas que estão lendo esse texto se identificaram na hora com o que estou falando.

Esse fenômeno acontece também em escala mundial e pode ter o bonito nome de alinhamento global: um jeito pomposo de dizer que os comerciais virão prontos de fora, com uma linguagem pretensamente global e alinhada com todas as praças no mundo. E aí você vai ver uma família loira de olhos azuis no comercial e pensar que sua família pode ser problemática por não parecer com aquela na peça de comunicação.

Assim o alinhamento de comunicação pressupõe tirar todos os poderes de comunicação e articulação local e centralizar num bunker as ações de comunicação vindas numa canetada de outro planeta. Pro financeiro e para quem está preocupado com Profit and Loss pode parecer um negócio da China, mas e para a imagem da empresa?

Depois apanha dias do Sindicato, encara greves diárias na porta da fábrica, sai matéria negativa na grande mídia tradicional e não há um só porta-voz para se manifestar, os pequenos mas relevantes veículos sequer entrar no radar nessa configuração. E sabe de quem vai ser a culpa? Do trabalhador, do gerente da planta, de Brasília, menos do gestor que achou que seria uma boa não ter uma comunicação regional e sair bonito no balanço patrimonial para garantir seu bônus no final do exercício.

Nem tudo está perdido

Seria um erro dizer que todas as indústrias são assim. Um exemplo que sempre gosto de dar é a LG que quantas vezes me colocou para falar com executivos da empresa de forma direta e com a mesma voz de um grande veículo de comunicação. A LG também me proporcionou momentos memoráveis como ter visto pela primeira vez uma TV 3D e depois uma 4k e ter visitado o estádio do Morumbi.

A Heineken ano passado me convidou para o lançamento da sua nova linha de produção em Jacareí super moderna e que eu contei aqui e recentemente me proporcionou a experiência de estar a poucos centímetros de distância da Taça da UEFA.

E não posso esquecer da agência Alameda Comunicação que atende regionalmente a conta de grandes marcas nacionais como, por exemplo, a TIM e McDonald´s e que nos últimos meses estabeleceu uma ponte muito interessante de relacionamento comigo, mostrando sim que é possível pensar de forma inovadora quando o assunto é comunicação corporativa. A Alameda está há mais de 17 anos no mercado e seus sócios vieram da mídia tradicional impressa e demonstram que adaptar-se ao novo cenário da comunicação corporativa é possível sim.

E aí acho que vem o lance mais importante desse post que é puxar pelo bom exemplo em marcas que mostram que é possível fazer essa interlocução local de forma saudável e responsável com a sociedade.

Síndrome de vira-latas

E aqui, não custa repetir ad nauseam, que não se trata em delegar em causa própria, síndrome de vira-lata ou choro dos excluídos. Tenha uma coisa em mente: não só eu não preciso dessas marcas como o blog está aqui inteiro e indo bem sem precisar delas. A minha discussão é mais ampla e com uma simples questão: você acha que as grandes marcas locais estão se comunicando bem?

E que talvez puxe outra: se as marcas estivessem investindo como deveriam em comunicação, assessoria de imprensa e relações públicas não teríamos mais empregos nesse setor e menos talentos indo embora daqui?

Eu não receber um release de uma marca é o sintoma mais insignificante de uma cadeia que prejudica a região, as marcas, os consumidores, a comunicação corporativa regional, os leitores e pode colocar até em risco uma comunidade inteira por falta de uma boa comunicação efetiva. Sobre isso é que temos que debruçar nosso olhar, cobrar e principalmente ter uma agenda de discussão permanente sobre essas demandas.

Com a palavra você leitor

PS: volto a repetir caso alguma marca queira se manifestar o espaço está aberto.

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