Jornalismo de tecnologia, independente e com credibilidade

Números nas campanhas de influenciadores: tá na hora da gente virar a página

Tem alguns assuntos que me dão uma certa azia, uma pontada no fígado se é que o leitor me entende. Um deles são os números dos influenciadores digitais.
O assunto já foi suficientemente esgotado. Já saiu no Meio e Mensagem, já saiu no ADNews, já saiu no Mais Você. Todo mundo sabe que existem números inflados.
Claro que ninguém fala que o Ibope mede menos de 1% da audiência (na verdade 0,008%), nem todo mundo usa tiragem auditada pelo IVC e a audiência de rádio também sempre foi bem nebulosa. Não existe métrica perfeita.
Muito se falou da youtuber que foi exposta por um dono de jornal, ou uma agência que criou perfis falsos e vendeu anúncios e todos os exemplos que se você se interessa pelo tema já deve ter visto. E quase todo mundo fala: “bem feito pro influenciador”. Mas quem criou esse fenômeno passa ileso. Curioso né?
Então eu digo, bem feito pro mercado que criou um mindset baseado em números vazios.

A cobrança por números é diária e chata

Vou dizer para vocês não é fácil sobreviver a essa pressão. Eu já ouvi de tudo sobre isso. Ah gente até que relata que a agência mandou o influenciador comprar seguidores para ser relevante. E eu também já ouvi de como eu posso ser um especialista e ter tão poucos seguidores e que isso era um absurdo.
Eu já perdi vários jobs por não ter um número X, já não fui ouvido em entrevistas porque não tem menos do que Y seguidores. Há ainda famosos grupos no Facebook em que a agência chega e já dispara:

Procuro influenciadores da área Z acima de 200 mil seguidores para ação de ativação com a marca W (desculpe o leitor a sopa de letrinhas, mas um deslize aqui e posso ser mal interpretado).

Anúncios

Mas e se esse influenciador comprou? Se ele é preconceituoso? Se ele não tem fit com a marca? Esqueça isso, a régua é só o número de seguidores. Há uma lógica por trás disso: o relatório.

Sua majestade: o relatório

Em algum momento do espaço-tempo o relatório ficou mais importante que a ação de comunicação em si. E sim eu sei qual é esse ponto. Ele começa justamente quando as empresas instalaram processos rígidos de controle em tudo, isso para que consultorias cobrassem fortunas de implantação dessas metodologias. Então ter um número em crescimento às vezes vira até um indicador para que o gestor C-Level garanta seu bônus. Tá lá no computador: se atingir a comunicação com 1.000.000 de visualizações (número hipotético) garante o bônus.
Há ainda a cultura de compra de mídia das agências que sempre foi baseada em volume: GRP, tiragem, ouvintes. Sempre quanto maior o número melhor. E a compra de audiência em volume sempre foi lucrativa. Quanto maior o volume de compra, maior a comissão da agência. Claro que antes havia qualificação de audiência, não estou negando isso, mas mesmo assim era sempre algo grande, e não por má vontade, mas porque não tínhamos o cenário que temos hoje.
E aí todas as decisões hoje ficam centradas no relatório e para ele todo poderoso são feitos os esforços. Precisa de um milhão? Compra um milhão, entrega um milhão e vai pra casa.

Mas como pode menos ser mais?

Imagine uma marca que vende relógios de luxo. Relógios bem caros, muito caros, coisa de colecionador. Falar com milhões de pessoas para esse produto não faz sentido. Se fala com muito mais pessoas do que se impacta consumidores qualificados.
Mas um produtor de conteúdo da internet quem tem, por exemplo um blog (ou instagram) que fala só sobre relógios de colecionador e que os principais colecionadores de relógio do Brasil acompanham. Veja: se forem apenas 1000 pessoas que acessam esse material, se 10% destes fizer uma compra serão 100 vendas de relógios caros. Com mil dá pra fazer um milhão. Nada mal hun. Então nesse caso um perfil de 1000 pessoas é bem melhor que um de 100 mil.

Todo mundo da comunicação já sabe disso

Anúncios

Canso de ver gente pregando isso nas palestras e painéis espalhados pelo Brasil mas na prática, no dia-a-dia isso não acontece. Pergunte para creators de vários tamanhos. Todos eles vão dizer que em alguma instância sofrem com essa realidade.
Mas na real mesmo? Na realidade? É tudo lindo no palco e no portal especializado. No mercado e no dia-a-dia o conteúdo de qualidade sempre ficará em segundo plano em comparação aos números altos. E é isso que criou o fenômeno de quem compra números. Não é o contrário.
E também todo mundo sabe disso. Só não se faz por questão cultural e por questões econômicas e também porque fazer do jeito certinho dá trabalho.

Só que a busca pelos números vai dar m…

Sim é o m que o leitor pensa. Recentemente um youtuber nos EUA fez zombaria com um cadáver suicida. Agora a modinha entre os youtubers daquele país é colocar na boca pods de detergente e ver quanto tempo se aguenta.
Mas não se deve atribuir isso só aos youtubers. Cada vez mais portais tem buscados manchetes chamativas e vazias em busca da audiência do número, do pageview buscado a cada minuto.
Se o indicador de acesso cai, cabeças podem rolar, então os profissionais vivem pela corda bamba entre escrever com qualidade ou só para buscar cliques.
Inclusive alguns desses portais já estão fazendo um mea culpa e dizendo que a busca pelo pageview sem fim não faz sentido e muitos estão revendo seus modelos e buscando soluções de monetizações como, por exemplo, os paywalls, ou seja conteúdo pago: quer ler? Pague.
Aliás nesse momento a discussão no alto clero do conteúdo é sobre como pagar a conta. Imagine aqui embaixo da galera que rala todo dia sem o apoio de uma grande empresa.

Mas vamos virar a página?

Vamos combinar que todo mundo sabe que no mundo dos influenciadores a qualidade é tão relevante quanto à quantidade. Todo mundo já sabe que está sendo produzido conteúdo ruim mas com frases de impacto só para garantir o pageview do mês.
Vamos combinar que o Youtube dá placa e benefícios para quem atinge somente números “haja o que ajar”. Do Twitter que só leva em conta criadores de conteúdo que tem números altos ou tem brothers dentro da empresa.
Vamos combinar que a maioria das marcas só prestam atenção em números altos e que poucas e boas já sacaram que nesse meio a coisa não funciona assim.
Vamos combinar que ir no palco ou escrever um artigo num site especializado pra pagar de bacana e antenado mas na prática fazer outra coisa fica feio porque todo mundo sabe.
Porque aí com tudo isso combinado a gente consegue evoluir a discussão. Senão vai ser mais um ano da marmota.
Que tal na sua próxima você fazer campanha e procurar pessoas que tem voz, autoridade, autenticidade em suas comunidades e que tem uma cultura alinhada com à sua marca. Faz um teste e me conta depois.
E pode me colocar em lista negra porque eu coloco o dedo nas feridas Pode fazer biquinho, pode achar ruim. Eu prefiro ser coerente e colocar a minha cabeça no travesseiro a noite, que me passar por legalzão só pra ser incluído.
Aliás Deus me livre.

Comentários estão fechados.

Esse site usa cookie para melhor sua experiência Aceitar