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O que está acontecendo com o jornalismo brasileiro?

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Assim que acaba o Roda Viva com o presidenciável Jair Bolsonaro nas redes sociais o foco está nos jornalistas e nas redes sociais ecoam mais críticas a eles do que ao próprio entrevistado. Na mesma semana e também com o mesmo candidato Mirim Leitão lê uma nota soprada ao ponto e que também gera uma discussão nacional sobre se a equipe tomou a melhor decisão naquele momento. E também sobram críticas aos jornalistas, dos mais bem conceituados do país e de uma das principais emissoras 100% de jornalismo no Brasil.

Quase ato contínuo a editora Abril demite mais de 500 profissionais (não ficou claro se todos são jornalistas, mas parece que a maioria é) e claro mais uma vez todo mundo se pergunta o que está acontecendo.
Podem parecer atos isolados, assuntos desconexos, mas num olhar mais profundo não são não. São reflexos de uma onda que estava para acontecer e uma bolha prestes a explodir a qualquer momento. Parece que esse momento chegou.
Se formos assumir que o jornalismo está doente no consultório médico, então deveria ter alguns sintomas não é mesmo? Longe de querer ser o dono da verdade e apenas fazendo um exercício de reflexão vou tentar identificar alguns desses sintomas.

Não valorização financeira do jornalista

Uma passada rápida no site do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo com um clique na opção “Pisos” e você verá que um jornalista na capital atuando em TV tem o piso definido de R$ 2.381,82, mas no restante do estado o valor é de R$ 1.548,19. E acredite em mim: muitos veículos pagam somente o piso.
Assim para pagar as contas no final do mês o jornalista que já está sobrecarregado nas redações também tem que fazer freelas, isso quando não faz infindáveis horas extras sem remuneração ou banco de horas. As vezes ele topa ganhar um pouco mais sendo PJ, mas abre mão de direitos como 13º e férias. E as vezes tem que ser assim senão não pega a “vaga”.
Com isso fica difícil o jornalista fazer uma especialização e as vezes até pasme, ler um livro, ou assinar um jornal de fora.
Não a toa estamos vendo vários jornalistas migrarem para o entretenimento, onde podem ganhar mais.
O tão falado jornalismo ruim ou a pergunta que eu ouvi várias vezes nas redes sociais “o que aconteceu com a qualidade do jornalismo”. Eu respondo: caiu porque o jornalismo é reflexo da sociedade. As redações foram ficando enxutas, os profissionais acumulando funções e o que tem é o que temos visto aí. Não precisa ser nenhum gênio pra sacar que isso ia acontecer.

Modelo de negócios da produção de notícia datou

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O modelo era um clássico ficando em um binômio simples: de um lado jornalistas produzem conteúdo jornalístico e do outro a área comercial vende anúncios publicitários nos vãos de tempo ou espaço. Um colado com o outro e paradoxalmente – na maioria das vezes-  em lados diametralmente opostos.
Mas o fato é que esse modelo foi esgotando e minguando. Hoje sabe-se que muitos veículos vagam na penumbra de serem mortos-vivos no mercado, respirando através de verbas públicas vindas de motivos nem sempre nobres, mas quando isso também acabar será a pá de cal nesse modelo.
Recentemente o BuzzFeed e Vice surgiram no mercado como novos modelos de negócios em produção de conteúdo e até o ano passado parecia ser um modelo realmente interessante, baseado em branded content ou uma aproximação mais coesa – e ética – do comercial+conteúdo. Mas não foi bem assim. Ano passado esses veículos não conseguiram atingir suas metas financeiras e uma luz amarela foi acesa.
Recentemente o Youtube passou por graves crises de imagem envolvendo youtubers e o mercado publicitário colocou um pé no freio. Agora a plataforma – que sabe-se de corredores ainda não é tão lucrativa – passa por uma série de mudanças para se tornar não amigável para a família, como costuma vender, mas amigável para as marcas.
Com as rápidas mudanças no mercado parece que a questão de “quem paga a conta pelo jornalismo” foi atropelada e com ela o próprio jornalismo do jeito que conhecemos.

A tecnologia fez a notícia se ressignificar

Eu trabalhei numa das primeiras operações de jornalismo digital da Rede Globo num portal chamado Evanguarda.com (na cidade de São José dos Campos e então ainda da própria Rede Globo, anos depois que a concessão passou para o Boni). E era comum a gente segurar notícia porque a TV tinha que dar primeiro.
A internet era um espaço para tatear, um novo planeta a ser explorado, mas sempre em segundo plano. Vem daí a expressão “segunda tela” porque em tese a TV sempre seria a primeira.
Antigamente a pessoa tinha que esperar a segunda-feira para ver os gols da rodada. Hoje ela vê na velocidade da luz. O crime hediondo da periferia chega mais rápido pelo zapzap que por qualquer veículo oficial online.
O que era matéria-prima para poucos virou commodities, e a notícia pára de ser um bem produzido por poucos para algo que qualquer um que tem o celular na mão pode fazer. Todo mundo em alguma instância virou um potencial produtor de conteúdo. Isso trouxe fenômenos incríveis, como a popularização da produção de conteúdo, mas também veio com efeitos colaterais pesados, como a disseminação dos boatos, agora com o novo nome chique de fakenews, e a dificuldade das pessoas perceberem valor na notícia produzida por um jornalista.
Nesse aspecto vejo que alguns veículos saíram na frente. A Globonews mesmo tem investido no jornalismo com comentaristas: especialistas que explicam e desmistificam as notícias que circularam durante o dia. A análise ainda é um bem valioso e o foco do jornalismo parece caminhar para isso. Valor e escassez são coisas que sempre vão caminhar juntas.
Outra operação de sucesso parece ser da Jovem Pan que tem batido recordes no Youtube com um jornalismo que segue essa linha da análise e opinião.
Outra nota importante nessa discussão é Folha de São Paulo que lá nos primórdios da internet criou o UOL e também o PagSeguro que hoje é uma das maiores operações na Bolsa de Valores mundial. Sobre isso eu falei no meu Facebook:

Duas empresas vindas do papel. Duas histórias bem diferentes.
Nos primórdios da Internet o Grupo Folha resolveu criar o UOL. E um dos sócios chegou a ser a Editora Abril. Em 1990, o Grupo Abril juntamente com a Viacom criou a MTV Brasil, a maior emissora de música e TV segmentada do Brasil. Na mesma década criou a TVA, uma da pioneira na televisão por assinatura. Criou o BOL que foi fundido com o UOL após adquirir parte do provedor. A TVA teve problemas para administrar a DirecTV, o que fez com que a Abril tivesse prejuízos e com isso vendesse sua parte na ESPN Brasil, depois o Eurochannel, e uma a uma de suas mídias televisivas (inclusive DirecTV), a MTV foi a única que escapou. A crise se agravou e obrigou a Abril a vender também o UOL e desistir de suas fitas cassete, no final restou a Editora, a TVA e a MTV. Em 2006, o UOL constituiu o PagSeguro para ser a plataforma de serviços financeiros da empresa. Em janeiro do ano seguinte, o UOL adquiriu a BrPay, empresa brasileira de pagamento eletrônico que, 6 meses depois foi incorporada ao PagSeguro. No dia 19 de julho desse ano, a Editora Abril anunciou que Marcos Haaland, sócio da consultoria especializada em reestruturação financeira Alvarez & Marsal, assumiria a presidência da companhia. O Grupo Folha fez oferta de ações do Pagseguro: considerada a maior para uma empresa brasileira e a maior na Bolsa de Nova York desde a abertura de capital do snapchat em março de 2017. Hoje a Editora Abril anunciou o fechamento de vários títulos. (com informações da Wikipedia e Folha de São Paulo)

E o jornalista nesse contexto todo? Será que datou?

Como este blogueiro que vos escreve é um nerd de carteirinha eu diria que o jornalista “digievoluiu” ou na verdade deveria ter feito isso. O jornal que era muito sério e sisudo virou mais “social” com o apresentador brincando, andando pelo estúdio e lendo tuites (mesmo que não sejam chamados de tuite).
Bem nessa semana o jornalista Evaristo Costa participou de um comercial de um banco de investimento como – de acordo com ele mesmo – jornalista e “influenciador digital”.

O jornalista Pedro Andrade é o garoto-propaganda dos notebooks da Samsung. Vários criaram blog e canais no Youtube e nadam de braçada nesse segmento. Wiliam Wack, depois de ser demitido de uma emissora por um comentário preconceituoso gravado fora do ar também foi criar uma carreira nova no mundo digital e ironizou que agora ele não tem mais ponto na orelha: de forma simbólica decretou sua independência editorial no ambiente digital. “Eu sou responsável pelo que eu falo”.

Entretanto há vários jornalistas que ainda são muito apegados ao modelo antigo. Uma realidade que eu sinto na pele. Várias vezes sou tratado como uma espécie de subjornalista por ter um blog, ou que somos vendidos porque fazemos ações publicitárias.
Há assessorias de imprensa e marcas que não consideram veículos digitais, veículos.
E há jornalistas que não estão conseguindo se reinventar. Assim como acontece em outras profissões. Leio várias vezes que o “jornalismo morreu”. Sim, nisso eu concordo: o jornalismo que conhecemos morreu. Assim como a indústria que conhecemos, a sociedade que conhecemos. E tem gente que vai ficar no meio do caminho abraçado com esse jornalismo morto. Isso aconteceu em todos os setores da sociedade produtiva: na indústria das notícias não seria diferente.
Pra mim fica claro que estamos num momento de transição. E esse renascimento do jornalismo virá com dor. Inclusive a dor de centenas de desempregados. Verdade seja dita: nem todos vão se adaptar ao novo cenário e muitos não tem ferramentas para isso. É um cenário complexo. Vai ser sofrido para muitos. Para outros um mar de oportunidades.

Mas ainda há desafios sim

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É um ledo engano achar que a internet é a solução para todos os problemas do jornalismo. Numa sociedade capitalista seria muito ingênuo não achar que o problema está no capital. Sim o jornalista assim como qualquer outro trabalhador precisa ter dinheiro para trabalhar. Não é todo mundo que tem perfil empreendedor.
E mesmo quem decide empreender vai encontrar outro desafio: as marcas ainda investem pouco em projetos de conteúdo digital. Há sim um fetiche muito grande em volta da “mídia tradicional” – cerca de 70% da verba publicitária do país vai hoje para TV.  Eu também falei sobre isso no meu Facebook:

O fetiche pelo papel.
Quando o Facebook passou por uma mega crise de imagem corporativa, o que ele fez? Anúncio em jornais impressos. O papel ainda tem uma certa credibilidade e eu diria mais: há um certo fetiche ainda por essa relação papel x credibilidade (pessoas confiam em um papel assinado, mais que uma assinatura eletrônica, por exemplo). Mas a mídia impressa tem um problema: alem de consumir árvores (mas que pode ser feito de uma forma mais eco), ainda tem a impressão (que usa tinta – um químico bem agressivo) e tem outro detalhe que pouca gente fala. O caminho que uma revista impressa leva da sede da Abril em São Paulo até uma banca de revistas é baseado em combustível fóssil (seja avião ou caminhão) e depois que a revista encalha ela volta pelo mesmo caminho. Por onde você olha a mídia impressa não é nem inteligente, nem competitiva e nem ecológica (aqui falando de logística e impressão). Mas culturalmente o papel ainda faz falta para muita gente. Resta saber até quando.

Há alguns cases para se observar – principalmente o financiamento pelo leitor. Nesse aspecto a Amazon tem um modelo bem interessante para autores de livro-reportagem, por exemplo. A Twitch (eu não gosto deles nem de falar deles, então se eu estou citando a marca aqui acredite é porque vale a pena) parece também ter um modelo interessante que deve ser seguido pelo Youtube, onde assinantes tem benefícios com aquele determinado produtor de conteúdo. Quem sabe não é algo assim que vai pagar a conta do jornalismo?
Claro que eu não tenho respostas para a maioria desses questionamentos e se eu soubesse estaria essas horas faturando milhões de dólares. Mas acho que precisamos discutir mais essas relações e principalmente entender que a regra do jogo tá mudando e quanto mais rápido você entende das regras, mais rápido entra no jogo.

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