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Para Michelle Schneider o profissional do futuro precisa focar mais nos sentimentos, questionamentos e sonhos.

Eu confesso que fiquei surpreso quando assisti o TEDx da LinkedIn Top Voice Michelle Schneider – gravado há cerca de 6 anos ela praticamente prevê um futuro com a Inteligência Artificial em que máquinas substituem o trabalho humano.

E ela acaba de lançar o livro “O profissional do futuro: Como se preparar para o mercado de trabalho na era da IA” (em breve nas principais livrarias) onde faz novas interessantes previsões – e provocações – sobre como o ser humano vai se comportar nessa nova onda digital.

No livro, por incrível que pareça, ela foca mais no fator humano. Nas palavras dela “o que diferencia a gente das máquinas não é a produtividade — é a sensibilidade” e também dá dicas para conviver com o medo do futuro incerto que a evolução digital pode trazer.

E se os robôs vão trabalhar por nós, quem irá ter dinheiro para comprar os bens produzidos? Estaria o capitalismo vivendo num momento de ruptura.

Nesse Papo comigo a Michelle me falou mais sobre isso e também deu dicas valiosas para você se manter relevante em mares tão turbulentos.

Papo com Michelle Schneider

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Michelle Schneider no lançamento do livro “O Profissional do futuro – como se preparar para o mercado de trabalho na era da IA”. Crédito da foto: divulgação

Michelle no seu TEDx você praticamente previu como seria o mundo após a Inteligência Artificial Generativa – que teve um grande marco com o lançamento do ChatGPT pela OpenAI. Era algo que já estava se desenhando?

Quando fiz meu TEDx, em 2018, a Inteligência Artificial já era um tema em expansão no universo acadêmico, nas grandes empresas de tecnologia e entre pesquisadores que acompanhavam de perto as transformações no Vale do Silício. Mas ainda estava longe de ser assunto da maioria das mesas de jantar, de reuniões de equipe ou de timeline do Instagram. A IA, especialmente no formato generativo que conhecemos hoje, ainda não havia se popularizado. Ela era percebida mais como algo técnico, distante, invisível — presente nos bastidores de algoritmos, e não como uma ferramenta que qualquer pessoa pudesse usar no dia a dia.

Ainda assim, para quem estava atenta aos movimentos da inovação, o cenário já vinha se desenhando. Em 2017, foi publicado o artigo “Attention is All You Need”, que apresentou a arquitetura Transformer — base dos modelos da família GPT. A OpenAI já estava se posicionando como um dos principais laboratórios de pesquisa do mundo. E pensadores como Kai-Fu Lee já falavam, em livros e palestras, sobre uma nova corrida global pela supremacia da IA, com China e EUA no centro dessa disputa.

O lançamento do ChatGPT foi um divisor de águas, não só pela tecnologia em si, mas porque colocou nas mãos de milhões de pessoas uma ferramenta que antes era restrita a poucos. Pela primeira vez, profissionais de todas as áreas — do direito à publicidade, da educação à engenharia — começaram a interagir com uma IA de forma cotidiana e prática. E isso escancarou um fato: não se trata mais de se tornar especialista em tecnologia, mas de entender como a tecnologia passa a mediar quase tudo.

Naquela época, eu dizia que a grande virada não seria apenas técnica — seria emocional. O verdadeiro desafio não seria “disputar espaço com as máquinas”, mas preservar o que nos torna humanos.

O lançamento do ChatGPT foi um divisor de águas, não só pela tecnologia em si, mas porque colocou nas mãos de milhões de pessoas uma ferramenta que antes era restrita a poucos.

O capitalismo tem uma premissa que as pessoas trabalham mediante ganho de capital e usam esse valor para comprar bens, produtos e serviços. Se os robôs foram a maior “mão-de-obra empregada”, quem irá comprar os produtos produzidos? Veremos uma espécie de ruptura do modelo atual?

Essa é uma pergunta profunda — e, honestamente, ainda sem resposta definitiva. Mas uma coisa é certa: o modelo que conhecemos hoje está sob pressão. O capitalismo industrial foi construído sobre a lógica da troca entre tempo, trabalho e renda. Você trabalha, recebe por isso e consome. Mas à medida que o trabalho humano deixa de ser central na produção, essa equação começa a se desestabilizar.

Se a automação avançar a ponto de substituir boa parte da força de trabalho — o que, ao meu ver, será inevitável — surgem duas grandes questões: como garantir renda para quem não é mais necessário no processo produtivo? E como manter o consumo, que é a engrenagem que movimenta toda a estrutura capitalista?

Alguns economistas já falam em modelos como Renda Básica Universal, tributação sobre robôs ou redistribuição de capital intelectual, mas tudo ainda está em fase de experimentação e debate. O que me parece inevitável é que precisaremos rever o significado de trabalho: não apenas como meio de sobrevivência, mas como elemento de pertencimento, identidade e propósito.

E talvez essa seja uma das discussões mais urgentes dos próximos anos. Porque a tecnologia tem avançado muito mais rápido do que a nossa capacidade coletiva de repensar os sistemas que sustentam a sociedade.

No meu livro, eu trago uma provocação que gosto muito: “Julgar o futuro com os olhos do presente é tão nocivo quanto julgar o passado com os olhos do presente.” Durante séculos, a escravidão foi considerada “normal”. Hoje, é algo inaceitável. Da mesma forma, nossas noções atuais de “trabalho” e “função social” também vão parecer, em breve, ultrapassadas. Não duvido que alguém em 2050 se pergunte com espanto: como um médico fazia centenas de cirurgias idênticas? Como um executivo repetia a mesma apresentação de vendas todos os dias? O que hoje vemos como essencial ou insubstituível pode — e provavelmente será — completamente redefinido.

A ruptura do modelo atual não será necessariamente um colapso — mas pode (e deve) ser uma reinvenção. E essa reinvenção só será positiva se for feita com intencionalidade, ética e visão de longo prazo. Porque mais do que um problema técnico ou econômico, estamos falando de uma escolha política. E profundamente humana.

Julgar o futuro com os olhos do presente é tão nocivo quanto julgar o passado com os olhos do presente.

Sei que você esteve recentemente no SXSW e vi muitas pessoas comentando que talvez a inovação que vá impactar o Brasil virá das comunidades regionais locais e não de Austin. Como você essa questão?

Estive no SXSW este ano e fui uma das palestrantes em um painel na Casa SP, numa trilha liderada pela ONG Gerando Falcões, que discutia justamente o futuro do trabalho nas quebradas. A conversa foi potente — e necessária. Porque quando falamos sobre inovação no Brasil, precisamos ter cuidado para não cair nem no deslumbramento com o Vale do Silício, nem na romantização das periferias.

Eu vejo dois caminhos se desenhando ao mesmo tempo. Por um lado, as comunidades periféricas carregam características essenciais para o profissional do futuro: criatividade, resiliência, senso de comunidade, capacidade de fazer muito com pouco. São competências humanas que não se ensinam em sala de aula, mas que nascem da vida real. E, nesse sentido, há um enorme potencial de inovação nas quebradas, nos interiores, nas margens.

Por outro lado, a falta de acesso ainda é brutal. Enquanto uma minoria estava em Austin discutindo o futuro da inteligência artificial, da computação quântica e da robótica, uma parte gigantesca da população brasileira ainda não tem acesso à internet de qualidade, a um notebook — ou sequer ouviu falar desses temas. Falar em “inovação descentralizada” sem falar em desigualdade de oportunidades é correr o risco de reforçar a exclusão.

Não dá para ignorar esse abismo. O desafio não está apenas em reconhecer a potência das comunidades, mas em garantir que essa potência tenha meios reais para se transformar em oportunidade. E isso exige algo mais profundo do que eventos ou tendências: exige investimento estruturante, política pública, inclusão digital, educação de base. Sem isso, a inovação continuará sendo privilégio — e não ferramenta de transformação coletiva.

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Crédito da foto: Camila Othon/Divulgação

No seu livro recém-lançado “O profissional do futuro” você fala que as pessoas serão substituídas não pela IA, mas por pessoas que dominam essa competência. Porém me parece que essa conta não fecha, uma vez que talvez uma equipe de programadores, por exemplo, pode ser substituída por menos programadores, mesmo que todos dominem essa competência. No futuro essa conta não será sempre desigual?

Essa é uma provocação muito válida — e, aliás, totalmente coerente com o que aprofundo no livro. Quando digo que as pessoas não serão substituídas pela IA, mas por quem sabe usá-la, estou olhando para o cenário de curto e médio prazo. Neste momento de transição, dominar essas ferramentas se torna um grande diferencial. Em vez de sermos substituídos imediatamente, passamos a trabalhar com mais eficiência, mais velocidade e com mais possibilidades criativas. A IA, nesse estágio, funciona como um ampliador da capacidade humana.

Mas no longo prazo, minha visão é outra. E vale dizer: ainda que existam diferentes visões, estudos e previsões sobre o futuro, a verdade é que ninguém sabe exatamente o que vai acontecer. O que temos são sinais — e hipóteses.

Se a evolução seguir o ritmo que estamos vendo — com o avanço dos agentes autônomos, a chegada da AGI (Inteligência Artificial Geral) e, mais adiante, a possível singularidade — o cenário muda de forma radical. Nesse futuro, é provável que a IA deixe de ser apenas uma ferramenta de produtividade e passe a ser, de fato, substituta de muitas atividades humanas como conhecemos hoje.

No livro, eu provoco justamente esse ponto. Digo no livro que eu acredito que, nos próximos anos, a IA vai nos tornar muito mais inteligentes e eficientes, e pode gerar um enorme crescimento econômico. Mas, no longo prazo, acredito que ela se tornará fundamentalmente substitutiva de boa parte do que chamamos hoje de trabalho. Se a nova onda de IA realmente for geral e variada como parece que será, como nós, seres humanos, poderemos competir com ela? Se a grande maioria das atividades humanas puder ser realizada de forma mais eficiente por uma máquina, as áreas em que ainda seremos melhores tenderão a ser cada vez menores. Como consequência, muita gente, ao meu ver, não terá uma função clara nesse novo futuro.

Um ponto essencial aqui é entendermos que julgar o futuro com os olhos do presente é tão nocivo quanto julgar o passado com os olhos do presente. Durante séculos, por exemplo, a escravidão foi vista como algo “normal” — hoje é abominável. Da mesma forma, nossas noções atuais de “trabalho” e “função na sociedade” podem — e devem — ser profundamente transformadas. Não me surpreenderia se, em 2050, uma pessoa se espantasse ao ver que, em 2024, um médico ainda fazia centenas de cirurgias idênticas, ou que um executivo de vendas repetia a mesma apresentação dezenas de vezes.

A verdade é que vamos, sim, passar por uma transformação profunda — e o resultado disso será, no mínimo, um abalo nas estruturas de mercado e nas relações de trabalho como conhecemos.

Eu acredito que, em algum momento, vamos nos adaptar como sociedade. E espero que cheguemos a um ponto de abundância, com mais tempo livre e recursos viabilizados pela tecnologia. Mas o que me preocupa é o “vale” até lá — esse período de transição em que muitos podem se sentir perdidos, desatualizados, deslocados. A transformação tecnológica não se limita à automação de tarefas; ela exige uma reorganização social, cultural e até psicológica. Talvez o maior desafio do nosso tempo não seja apenas acompanhar o avanço técnico, mas liderar uma mudança de mentalidade que nos permita reconstruir — e não apenas resistir.

Percebi que o seu livro tem um viés muito humanista. Você fala de saúde mental, de como precisamos separar vida profissional e pessoal entre outras competências. “Sentir, sonhar e questionar” serão competências fundamentais para o profissional do futuro?

Eu não só acho que serão — acho que já são. E talvez sempre tenham sido, mas a gente só está começando a admitir isso agora.

Por muito tempo, a gente foi treinado pra ser “funcional”. Pra dar conta, entregar, performar. Mas, no fundo, o que diferencia a gente das máquinas não é a produtividade — é a sensibilidade. A capacidade de olhar pra dentro e se perguntar: isso aqui faz sentido pra mim? É aí que mora o autoconhecimento. É ele que permite que a gente não seja só uma engrenagem dentro do sistema, mas alguém que escolhe com consciência como quer viver — e trabalhar.

No livro, eu conto como essa jornada foi (e ainda é) real na minha vida. Eu precisei parar, me escutar, adoecer e quase colapsar pra entender que não dá pra falar de futuro do trabalho sem falar de saúde mental. Que não dá pra falar de inovação sem falar de empatia. E que, se a gente quiser continuar sendo relevante num mundo de IAs superinteligentes, a nossa inteligência mais valiosa vai ser a emocional.

Sentir, sonhar e questionar não são só poéticos — são potentes. Sentir nos conecta com o outro. Sonhar nos abre possibilidades. E questionar nos tira do piloto automático. Eu costumo dizer que, se a IA vai fazer as contas, a gente precisa continuar fazendo as perguntas.

No fim, o profissional do futuro é aquele que sabe operar tecnologia, sim — mas que, acima de tudo, sabe operar a si mesmo. Com presença, com propósito e com humanidade. Um ser humano do futuro.

Sentir, sonhar e questionar não são só poéticos — são potentes. Sentir nos conecta com o outro. Sonhar nos abre possibilidades. E questionar nos tira do piloto automático. Eu costumo dizer que, se a IA vai fazer as contas, a gente precisa continuar fazendo as perguntas.

Muitas pessoas que estão lendo essa entrevista podem sentir um certo receio de tudo que virá e uma sensação de não-pertencimento a este mundo, ou se sentindo “obsoletas”. O que você falaria para elas?

Eu falaria, primeiro, que esse sentimento é legítimo. E mais comum do que parece.

O futuro intimida mesmo — especialmente quando ele se torna cada vez mais incerto. Mas sentir medo não significa que você está atrasado. Significa que você é humano. E se tem uma coisa que esse futuro hiperconectado e tecnológico precisa, é justamente de mais humanidade.

A verdade é que ninguém está 100% pronto. Eu também não estou. O que diferencia quem avança não é a perfeição — é a disposição de continuar aprendendo. Não é sobre ter todas as respostas, mas sobre cultivar boas perguntas. E é exatamente por isso que, no meu livro, eu proponho quatro pilares que podem orientar quem está se sentindo perdido nesse novo mundo do trabalho.

O primeiro pilar, mente inovadora, é como uma roda em movimento — ela gira sustentada por três engrenagens principais: curiosidade, aprendizado contínuo e criatividade. Quando você se permite ser mais curiosa, naturalmente aprende coisas novas. Esse novo repertório, por sua vez, expande sua capacidade criativa. E quanto mais criativa você se sente, mais aberta fica para novas perguntas — fechando esse ciclo virtuoso de inovação pessoal. Não é sobre ser genial, é sobre manter essa roda girando.

O segundo pilar é o do letramento tecnológico. E aqui eu gosto sempre de lembrar: você não precisa aprender a programar. Mas precisa entender como a tecnologia está moldando o seu campo de atuação e começar a usar ferramentas de IA que te tornem mais produtivo no seu dia a dia. Precisa saber fazer perguntas melhores para as máquinas — e, principalmente, continuar fazendo as perguntas que só os humanos sabem fazer.

O terceiro pilar é a inteligência emocional, que engloba empatia, escuta ativa, autoconhecimento e capacidade de lidar com conflitos. Em um mundo onde boa parte das tarefas técnicas será automatizada, as habilidades humanas — aquelas que não cabem num código — se tornam cada vez mais valiosas. E isso começa por dentro: entender como você funciona, o que te motiva, como você reage, e como constrói relações.

Por fim, o quarto pilar: saúde mental. Porque não existe reinvenção se você estiver esgotado. E não há futuro possível se a mente estiver em modo de sobrevivência. Cuidar da saúde mental não é luxo, nem sinal de fraqueza — é estratégia. E talvez o maior diferencial competitivo que um profissional pode ter hoje.

Então, se você está lendo isso e se sentindo fora do jogo, minha provocação é: e se o jogo tiver mudado, e o que está faltando não é você se encaixar — mas descobrir novas formas de jogar?

O futuro não pertence a quem sabe tudo. Ele pertence a quem continua curioso, quem se cuida, quem topa aprender e quem escolhe fazer isso com humanidade. E, nesse processo, você vai ver: não existe obsolescência para quem está em movimento.

Serviço

O profissional do futuro: Como se preparar para o mercado de trabalho na era da IA – Editora ‏ : ‎ Buzz Editora (18 abril 2025) –  223 páginas

Disponível por enquanto na Amazon por este link: https://a.co/d/ehlk6bI. Em breve nas principais livrarias.

Próximos eventos de lançamento:

15/04 – Campinas
Teatro Oficina do Estudante, Shopping Iguatemi (3º Piso) | 19h30 às 22h (Palestra + Sessão de autógrafos)

21/04 – Rio de Janeiro
Centro Cultural Banco do Brasil – RJ (WCDC – World Creativity Day) | 13h (Palestra + Sessão de autógrafos)

Crédito da foto de destaque: Camila Othon/Divulgação

http://blogdoarmindo.com.br
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